quarta-feira, 15 de abril de 2009

Capítulo 12.7

Num outro espaço e num outro tempo (já vi que às vezes os troco, mas vamos admitir que comutam e, já agora, que são diagonalizáveis), Anfira e Håvard preparavam-se para a batalha. Se é que uma miúda e um dragão contra um autêntico exército de forcados se pode chamar batalha. E não uns forcados quaisquer, mas os Forcados do Apocalipse.
Estavam escondidos num canto que os protegia de olhares exteriores e tentavam não entrar em pânico (e, se possível, arranjar um plano, mas não entrar em pânico já não era mau de todo). Anfira, como de costume, rezava freneticamente enquanto Håvard a olhava incrédulo e, para impedir o cérebro de congelar com o frio, tentava calcular mentalmente a diferença de fase entre terços. Quando se cansou, tentou chamar Anfira de volta à realidade:
- Hei, Anfira. Está a anoitecer. Temos de fazer alguma coisa, senão congelamos e morremos mesmo sem lutar…
- Hum? Espera. OK, perdi-me no terço… Diz lá.
- Está a anoitecer e… - começou Håvard.
- Ahahah! – Anfira começou a rir quase histericamente.
- Qual é a piad… Uau!
A noite caía mesmo e, com ela, ligava-se um sistema de iluminação altamente complexo que cada um deles achou melhor atribuir ao(s) seu(s) deus(es) que tentar entender. E com a iluminação surgiu um letreiro enorme em néon que dizia MASMORRAS, seguido de uma igualmente enorme seta para uma pequena (há que variar) porta em que não tinham reparado.
- Bem visto! – exclamou Håvard, impressionado com o que devia ser a primeira demonstração de inteligência por parte de Anfira.
Ao contrário do que esperavam, a porta não estava trancada. Sem pensarem se não seria sorte a mais, entraram. No interior seguiram uma escadaria descendente, sempre atentos às placas de sinalização que indicavam o caminho para diversas áreas da fortaleza. Depois de Apoio ao cliente, Comissão de Festas e Casa de banho – senhoras, voltou a surgir a indicação de MASMORRAS, sempre em maiúsculas. Talvez seja para parecer mais assustador, pensou Håvard, cujas grandes patas se atrapalhavam bastante nos degraus estreitos, de tal forma que quase tropeçou ao desviar o pensamento para a placa.
- Não devia haver gente a guardar isto?
- Sim. Mas pensa, Anfira – Como se fosse possível, pensou para si –, o Inverno está convencido de que é muito forte e tem todos os seus Forcados à nossa espera. Não pensa que lhe consigamos escapar e andar aqui por dentro. Provavelmente, desviou toda a guarda para o combate, só para os entreter com algo diferente do normal.
- Sim, faz sentido.
E continuaram a descer. Finalmente, uma porta com o letreiro MASMORRAS por cima, de novo em maiúsculas e desta vez em vermelho, num tipo de letra que simulava gotas de sangue a pingar da palavra.
- Não se pode dizer que o tipo não tem sentido estético… - observou Anfira.
Aquela porta também não estava trancada. Entraram numa divisão escura e húmida, como era de esperar num piso inferior de um castelo no meio do nada em pleno inverno (a estação). Inicialmente não viram nada, mas depois um contorno formou-se com a pouca luz disponível: um corpo feminino.
- Olá – começou Anfira, no seu tom ultra-fofo. – És a Primavera? Viemos libertar-te em nome de Deus.
- …es – completou Håvard baixinho.
A mulher levantou-se e aproximou-se deles. Encontrava-se dentro duma cela que ocupava a maior parte da divisão. Quando se aproximou, viram que o seu cabelo era formado por folhas e pequenas flores de cores variadas e que usava um vestido azul-celeste. Tinha, sem dúvida, um ar bastante primaveril. Sorriu-lhes e disse:
- Olá. Estes mortais chamam-me Primavera, sim. Mas não sou prima de ninguém – aproximou-se e Anfira pensou que aquela cara não lhe era nada estranha. – O meu nome é Mialin.
- Mialin? - Håvard fez uma expressão estranha, como se tivesse vontade de rir. – Isso não é um medicamento?

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