terça-feira, 29 de julho de 2008

Capítulo 10.9

Enquanto olhava à sua volta, o Dr. Qualquercoisa Palmer surgiu no seu campo de visão.
- Ah! Portanto, já recuperaste, portanto, os sentidos. Sabes, nos meus tempos, portanto, livre, portanto, costumo ler, portanto, algumas revistas, portanto, cor-de-rosa, portanto e, portanto, já tinha visto qualquer coisa sobre a tua, portanto, família ter alguma, portanto, tendência para o, portanto, desmaio.
- Leste isso em revistas cor-de-rosa? – Zaen ficou com um ar incrédulo. – Espera lá… As revistas cor-de-rosa falam da minha família? – A sua incredulidade aumentava a cada minuto que passava. – Mas qual família? Eu não tenho família!
- Portanto, eu realmente estou, portanto, extasiado! – continuou o Dr. Qualquercoisa Palmer, praticamente ignorando as questões de Zaen. – Só queria, portanto, ir ao, portanto, passado dar uma, portanto, volta e, portanto, ver o ambiente e afinal trouxe, portanto, de volta um membro da, portanto, Família Real. Não admira que te tenham dado como desaparecido há anos…
- Família Real? – Zaen ia desmaiar a qualquer momento.
- Claro. Portanto, espera… Se calhar recuei, portanto, demasiado… Tu, portanto, ainda não, portanto, sabes?
- Pelos vistos, não…
- Portanto, não conheces ninguém nestes, portanto, outdoors?
- Sim, conheço a Anfira e a Niel e o Matthieu e a Madalena e a Filia e a Ceridwen… Mas não percebo o que se passa. Queres deixar-te de enigmas e portantos e explicar-me de uma vez?
- Portantos? Não percebi, portanto, essa…
Zaen soltou um suspiro.
- Se queres realmente que te, portanto, explique, tudo bem… TU pertences à Família Real.
- Mas isto não é uma república?
- Pois, portanto, foi. Mas isso era, portanto, no teu tempo. Em 2010 passou, portanto, a ducado, o que foi, portanto, uma experiência, portanto, deveras, portanto, muito desastrosa.
Desde a palavra 2010 que o queixo de Zaen estava completamente caído. O Dr. Palmer continuou:
- A nossa única, portanto, salvação foi a, portanto, união de poderes entre Anfira, portanto, tua mulher e a sua, portanto, némesis religiosa, portanto, Filia Santíssima. Seguiu-se então a constituição de um, portanto, reino, inserido no R7P3I, portanto, através da mediação da, portanto, grande Sábia Suprema, portanto, Ceridwen, que…
Zaen já chorava a rir.
- Disse alguma, portanto, piada?
- Por favor… A Anfira minha mulher? E aliada da pagã da Filia? Desculpa lá, mas só podes estar a gozar-me! – e, apesar de estar desesperado por estar num futuro tão louco quanto o seu interlocutor, Zaen não conseguiu parar de rir durante uns bons 5 minutos.
- Mas é, portanto, verdade! – repetia insistentemente o Dr. Qualquercoisa Palmer. – A Anfira é tua mulher e a Niel a vossa filha!
O facto era tão brutal que, por breves instantes o Dr. Palmer até perdeu o seu característico “portanto” no discurso.
- A Niel o quê? – Zaen caiu para trás.
- Outra vez desmaiado? Ai… Não vão, portanto, a um geneticista, que, portanto, não vale a pena…

Capítulo 10.8 - O paradeiro de Zaen

Zaen acordou com uma valente dor de cabeça. Sabia que tinha “saído” da casa de Vyrmack, não sabia da sua noiva Niel e já nem sabia porque tinha concordado com casar com ela. Ele sentia que aquilo era um bocado anti-natura, apesar de não entender porquê. A verdade é que ver Anfira naquele sofrimento todo e ouvi-la foi o suficiente para relembrar aquele sentimento estranho que tinha por ela. Parecia uma dor de estômago ao mesmo tempo que arritmia: supôs que fosse isso o tal amor de que todos falavam…

No entanto, isso não era o amor… o que estava realmente a acontecer é que ele, com tantas voltas no espaço-tempo, tinha ficado com uma doença estranha que causava aqueles dois sintomas: sofria da Doença de Minkowski-Menière-Riemann-Einstein. E como é que ele sabia disso? A verdade é que não sabia, mas o narrado é omnisciente e gosta muito de ver o Dr. Casa e tem a sabedoria inerente à personagem do Dr. Orchouse…

Zaen olhou em volta. Nada lhe pareceu muito estranho e até se sentia em casa… Aliás, ele estava em “casa”: tinha ido parar ao autocarro da banda dele, só que o que via pela janela não correspondia ao sítio onde a EMEL o tinha bloqueado…

Zaen tinha ido para o futuro e, realmente, o autocarro continuava bloqueado no mesmo sítio. Naquela dimensão do futuro, ele e os seus companheiros tinham passado de banda de culto a lendas do rock e o autocarro, último local onde os elementos da banda tinham estado todos juntos, era agora um monumento da cidade de Lisboa-de-Xira (fusão das cidades de Lisboa e Vila Franca de Xira no futuro), plantado numa rotunda de 10 faixas e ainda bloqueado pela EMEL…

Aquela cidade era muito estranha: metade era em cristal e vidro e aço e a outra era jardins e lagos e florestas. Aquilo lembrava-lhe os gostos de Anfira e Niel (que tinha achado estranho serem tão parecidos), mas resolveu não dizer nada, pois não sabia como era encarado o falar sozinho naquela sociedade tão… avançada.



Quando saiu do autocarro, viu num grande outdoor digital uma imagem de um gajo muito parecido com ele, com mais duas mulheres muito parecidas com Anfira e Niel, com o texto “Comemorações dos 500 anos da Família Real – Hoje às 21.30 na RTR7P3I”. Noutro outdoor ao lado lia-se, desta vez com fotos de duas pessoas muito brancas e muito parecidas com Madalena e Matthieu: “Escola Superior de Ciência: novos cursos de Sexologia (Nível I, II, III e Avançado) e continuação da leccionação dos cursos de Física Geral, Avançada, Ultra-Avançada e Bué-de-Difícil.”

Zaen estava parvo, mas ainda mais aparvalhado ficou quando olhou para o chão e viu um equivalente do jornal Metro, o Meglev, que dizia “Ceridwen e Filia Santíssima na vanguarda da tecnologia: mais 2 prémios Nobel atribuídos a estas duas investigadoras” e “Vyrmack constrói a derradeira árvore genealógica da população humana”.